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Histórico do fenômeno LER/DORT

Em 1713 Bernardo Ramazzini, médico, hoje considerado o PAI da Medicina Ocupacional, descreveu um grupo de afecções músculo esqueléticas entre as quais a encontrada em notários e escreventes que, acreditava ele, ser pelo uso excessivo das mãos no trabalho de escrever.

Esta doença que mais tarde foi chamada de “cãibra do escrivão” ou “paralisia do escrivão”, segundo Ramazzini era secundária a três fatores básicos que, em seu conjunto, influenciavam de maneira determinante o seu aparecimento. Eram eles:

  1. Sedentarismo
  2. Uso contínuo e repetitivo da mão em um mesmo movimento
  3. Grande atenção mental para não borrar a escrita.

Caracterizava-se esta doença por uma sensação de parestesia de membros superiores acompanhada por sensação de peso e fadiga nos braços, podendo ainda estar associada a dores cervicais e/ou lombares.

Á partir deste instante estava descrita uma nova doença, que mais tarde, por possuir sintomas comuns, foi também descrita em inúmeras outras atividades.

No ano de 1833 uma descrição de grande número de casos de trabalhadores acometidos por sintomas semelhantes aos já descritos por Ramazzini ocorreu na Inglaterra, nos anotadores do serviço britânico, sendo tal fato atribuído ao uso de uma pena de aço mais pesada.

O primeiro evento de que se tem notícia de uma atividade ser considerada como causadora de uma doença profissional devido a movimentos rápidos e repetitivos data de 1908 quando, na Inglaterra, o serviço de saúde Britânico atribuiu aos telegrafistas uma nova doença denominada de “cãibra do telegrafista”, que tinha como sintoma principal a fraqueza muscular.

Surgia, à partir deste momento, uma relação entre doençalesãoincapacidade, sendo esta considerada pela Cortê Britânica como passível de indenização.

A criação e reconhecimento do conceito de doença indenizável em meados dos anos 70/80, fez com que verdadeiras epidemias destas doenças começassem a ser descritas em todo o mundo, estando as mesmas sempre associadas a distúrbios emocionais e insatisfação pessoal ao trabalho ou no trabalho.

Problemas de ordem emocional associados a esta nova doença epidêmica e indenizável foram analisados pelo neurologista inglês William Gowers, que considerou estas manifestações clinicas não simplesmente como um problema ligado ao tipo de trabalho, mas sim, uma verdadeira neurose ocupacional.

Em sua análise, William Gowers descreveu que, mais do que uma simples doença, apresentavam seus pacientes insatisfação com o trabalho, ansiedade, problemas familiares, instabilidade emocional, revolta e dificuldade de diferenciar o que verdadeiramente sentiam, daquilo que era irreal.

Até os dias de hoje, inúmeras alterações ósseo-músculo-tendíneas são descritas como doenças secundárias a Lesões por Esforços Repetitivos (LER), sendo do conhecimento de todos o grande número de casos de: Tendinite, Tenossinovite, Peritendinite, Capsulite, Bursites entre outros, diagnosticados como de ordem profissional. Os quadros compressivos de grupos musculares só foram enquadrados no rol das doenças descritas como LER, anos mais tarde.

São famosas em todo o mundo as verdadeiras epidemias de doenças diagnosticadas como LER, no Japão (anos 60 a 80) e na Austrália (anos 80) onde, segundo artigo publicado no – J. Rheumatology 16(suppl 19): 169-174:1989 com título Medicolegal Aspects of Fibrositis Syndrome, Littlejohn, GO analisa os fatores determinantes no aparecimento deste grande no número de casos.

Atribui ele que o grande aumento no diagnóstico desta doença ocorreu pela influência dos sindicatos, publicidade, facilidade na simulação dos sintomas e o oportunismo, associado ainda à deficiência e desconhecimento na abordagem diagnóstica da doença, e a possibilidade de um sistema de compensação financeira permissivo.

No Brasil, à partir da metade dos anos 80 os números de casos de LER têm crescido de maneira assustadora, de tal forma que o INSS em sua publicação – Doenças Relacionadas ao Trabalho – Manual de Procedimento para os Serviços de Saúde, em seu capítulo 18 página 426, descreve: “ No Brasil, o aumento da incidência de LER/DORT pode ser observado nas estatísticas do INSS de concessão de benefícios por doenças profissionais. Segundo os dados disponíveis, respondem por 80% dos diagnósticos que resultaram em concessão de auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez pela previdência social em 1998. O mesmo fenômeno pode ser observado na casuística atendida nos CRST (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador), na rede pública de serviços de Saúde (Núcleo de Referência em Doenças Ocupacionais da Previdência Social- Nusat,1998)”.

Abordar casos de LER ainda é um problema de saúde de difícil solução. O número insuficiente de médicos bem preparados e com duplicidade de formação (Medicina do Trabalho + Doenças Músculo Equeléticas) faz com que diagnósticos sejam formulados erradamente, propiciando que trabalhadores afastados por doença não profissional ou mesmo indivíduos simuladores, passem a gozar de privilégios frente a trabalhadores honestos e normais, causando uma desmotivação ao trabalho e estímulo a novos afastamentos.

Dr. Antonio Carlos Novaes (Reumatologista)
Especialista em Reumatologia e Medicina do Trabalho